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quinta-feira, setembro 25, 2014

O PRAZER


MEUS CAROS LEITORES PEÇO DESCULPAS POR ESTAS PROPAGANDAS POSTADAS SEM MINHA AUTORIZAÇÃO.
Rubem Alves                                                           
Quem lê o que escrevi sobre a alegria, talvez pense que eu estava dizendo que a alegria e o prazer não combinam e por isso não se encontram nunca; quando o prazer entra por uma porta, a alegria sai pela outra, como se o prazer estivesse condenado a ser sempre doce no começo e amargo no fim...
Fico até bravo quando me atribuem coisa tão perversa, pois quem me conhece sabe muito bem que acho que o prazer é uma dádiva divina. Se Deus não nos tivesse criado para o prazer, Ele (?) não nos teria dado tantos brinquedos para o corpo, como os gostos, os sons, as cores, as formas, os cheiros, as carícias, e não teria dotado o corpo de tantos órgãos eróticos. Os desatentos pensam que órgãos eróticos são só os genitais, não percebem que erótica é a boca, como naquela cena maravilhosa do filme Nove Semanas e Meia de Amor, a mais erótica que jamais vi, o amante, na cozinha, fazia a amante, de olhos fechados, morder e provar coisinhas de comer. Não é por acaso que comer tenha dois sentidos, nada mais vulgar que reduzir a erótica aos genitais e à cama, logo vira rotina cansativa, que trabalheira, que mão-de-obra, mas é preciso bater o ponto, e assim se prova o meu ponto, que o prazer sozinho acaba por ficar chato, e não percebem que eróticos são os ouvidos. Ah!, como a voz é taça que por vezes está cheia do néctar dos deuses, como também, por vezes, está cheia de uma mistura de losna e fezes. Infernal, erótico é o nariz – quem diria! – de cujas potências nos resta muito pouco, castrados do olfato que somos, tão diferentes dos cachorros que, se fossem homens, não pintariam quadros com cores, pintariam quadros com cheiros – já imaginaram isso? – um museu de quadros pintados a cheiro? Eróticos são os olhos, boca cósmica, por meio deles comemos o universo inteiro, montanhas, árvores, rios, ares, lua e as estrelas, as nuvens, tudo é comida, tudo entra. Dizia Neruda, sou onívoro de sentimentos, de seres, de livros, de acontecimentos e lutas. Comeria toda a terra. Beberia todo o mar. A nossa infelicidade se deve a isso, que não podemos comer com a boca tudo o que comemos com os olhos. E duplamente erótica é a boca, de novo, primeiro porque dentro dela moram os sabores, e agora porque é o lugar supremo do tato, da carícia, o toque molhado dos lábios, a língua, o mordiscar, o beijo...
Dizem os teólogos que Deus fez todas as coisas. Dizem mais que, se Deus fez, é bom. Claro. Seria heresia imaginar que Deus tivesse feito coisa ruim e proibida.
Primeira conclusão: foi Deus que fez este festival de possibilidades de prazer.
Segunda conclusão: se Deus criou tantos jeitos de ter prazer, é porque ele nos destina ao prazer. Confesso que fico horrorizado com o fato de nunca, mas nunca mesmo, ter visto qualquer padre ou pastor pregar sobre o imperativo divino de ter prazer na vida. Ao contrário, estão sempre advertindo, graves e solenes, sobre os perigos do prazer, como se ele fosse coisa do Diabo. Me contaram (recusei-me a acreditar, pelo absurdo da coisa, mas me garantiram ser verdade), que num curso para casais, aconselhava-se que os noivos, sempre que tivessem de ter uma relação sexual (depois de casados, é claro), que se dessem as mãos e rezassem um Padre Nosso. Ai, se eu fosse Deus fulminava um religioso desses com um raio! Pois é mais ou menos como se eu desse uma boneca para a minha neta e lhe dissesse: Olha, Mariana, todas as vezes que você quiser brincar com a sua boneca, chama o vovô ao telefone para pedir permissão, tá?
Pelo que conheço dos doutores em coisas divinas, de cuja companhia privei por longos anos, eles têm ideias diferentes sobre Deus. Pintam-no sempre de cenho carregado, não há registro algum de que ele jamais tenha dado uma boa risada, o que nos obriga a concluir que ele não tenha senso de humor, sempre com seu enorme olho sem pálpebras aberto (e sem pálpebras para não fechar nunca, para não deixar passar nada, Deus te vê, cuidado coro o lugar onde você põe a mão; ao dormir, nos colégios de freiras, as meninas tinham de dormir com as mãos sobre as cobertas). Sua biblioteca só tem livros de ética, ordens, ameaças, advertências, nenhum livro de estética, ou erótica, ou ficção, a despeito de Nosso Senhor Jesus Cristo ter dito que no Reino de Deus só entram crianças, o que nos obrigaria a concluir que Deus também é uma criança, como o fez o Alberto Caeiro, nunca li um tratado sobre os brinquedos de Deus... E eu me pergunto: Como é possível arear um ser assim?
Acho o prazer uma coisa divina. Para ele fomos feitos. O amor, o humor, a comida, a música, o brinquedo, a caminhada, a viagem, a vadiagem, a preguiça, a cama, o banho de cachoeira, o jardim – para estas coisas fomos feitos. Para isso trabalhamos e lutamos: para que o mundo seja um lugar de delícias. Pois esse, somente esse, é o sentido do Paraíso: o lugar onde o corpo experimenta o prazer.


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